domingo, 19 de setembro de 2010

Esse foi um trabalho de português que tive que fazer semana passada, o objetivo era escrever um conto que começasse com a seguinte frase: "Dez horas. Ouço seus passos, no escuro da noite." Eu também considero uma frase clichê e chata, e mal estruturada, mas acho que consegui fazer um bom trabalho com ela, o que acham?

Vida e Morte


Dez horas, ouço seus passos, no escuro da noite. Aqui do quarto, o mais distante no corredor, é possível ouvir perfeitamente os sons do resto da casa, tinha certeza, ela voltara.

Seus delicados passos soavam iguais aos que foram um dia. Sabia que era impossível, mas podia sentir seu perfume natural como a essência de uma feliz tarde de primavera invadir o ambiente mais uma vez. Como eu sentira falta disto...

Ela se aproximava cada vez mais da porta que me fechava sozinho neste quarto e, quando alcançasse a maçaneta e empurrasse a porta com os mesmo gestos suaves com os quais estava acostumada em outra vida, traria consigo minha vida de volta.

Eu ansiava pelo momento, sentado na poltrona à janela, na qual costumávamos nos aconchegar juntinhos nas geladas noites de inverno, mal podia ficar parado. Seus passos eram lentos, mas ritmados. Faltava pouco para ela voltar para mim.

Lembrei-me da noite em que nos conhecemos, um restaurante à beira da estrada, pois, nossos carros, coincidentemente, haviam quebrado. Repassei em minha mente o dia de nosso casamento, nossa primeira noite juntos, nesta mesma casa e, até mesmo, o dia em que fomos brutalmente separados... Voltávamos do jantar em comemoração ao nosso primeiro ano de casados, a noite tão clara e quente, não imaginávamos que dois assassinos nos seguiam... Foi um disparo só, certeiro em sua nuca, não me preocupei em impedir os bastardos que fugiam com a bolsa, me foquei somente em fazê-la ouvir, nem que pela última vez, a verdade, encostei minha bochecha na dela, misturando sangue e lágrimas, e murmurei: “Eu te amo.”

Lembrar da dor ardia as cicatrizes em meu peito, mas já fazia dez anos e só faltavam alguns passos para que eu pudesse voltar a contemplar os perfeitos traços de seu rosto angelical. Os passos acompanhavam o ritmo de meu coração e, quando pararam ao outro lado da porta, meu coração pulou uma batida e voltou, forte demais para que eu pudesse ouvir o ranger da porta se abrindo.

O vento entrou pela porta com um alto silvo, apagando as velas responsáveis pela pouca iluminação do quarto, agora, somente a obscura luz da lua me permitia enxergar a beleza de minha amada. Observei seus longos e negros cabelos esvoaçando, seus castanhos e úmidos olhos que me olhavam demonstrando a mesma emoção que sua fina boca cor de cereja que se curvava para cima, ela me olhava como no dia de nosso casamento. Vestia as mesmas roupas da noite de dez anos atrás, ainda manchadas de sangue. Meu impulso era sair correndo para tê-la em minhas mãos mais uma vez, mas continuei sentado sabendo que seria impossível encostá-la.

Continuamos nos comunicando com os olhos por mais alguns segundos, eu contava para ela como sentira saudades, ela me dizia que esteve sempre aqui. Seu corpo astral estranhamente sólido se aproximava de mim quase como se dançasse pelo quarto, tenho certeza que podia sentir algo como se fosse a gravidade mudando de foco e me atraindo para ela.

Alguns centímetros separavam meus joelhos dos dela. Vi minha amada levar a mão às costas, hesitou, incentivei-a, ela sorriu ansiosa trazendo sua mão de volta, agora, segurando uma faca, a mais afiada que já vira. Ela se debruçou docemente sobre mim e foi um segundo para enfiar em meu peito o objeto que segurava. Eu deveria sentir dor, mas só podia sentir a felicidade.

Levantei-me da poltrona deixando meu corpo para trás. Beijei-a, descarregando dez anos de solidão naquele gesto, o sofrimento acabara.


Por Chiara Le Roux, obrigada por ler!

@Chiisp7